domingo, agosto 19, 2012

Nós as que abortamos


A resposta social em debates, tanto nos meios convencionais como nas redes sociais, aos projectos de Gallardón, é como um raio de esperança neste veram eclipsado por tanto escurantismo e regressom. Hai milheiros de vozes defendendo um direito fundamental para as nenas e mulheres, ainda que mesmo, muitas delas, nom o cheguem a exercer nunca nas suas vidas. Nom é o meu caso, nem o de muitas mulheres que conheço, eu abortei.

Os argumentos do nazi-onal-catolicismo reaparecem, mas nom coa velha face da ideologia misógina, que segue vendo no corpo das mulheres o terreio a dominar, e onde dar a batalha contra a sexualidade, verdadeira besta negra que atormenta a quem a professa desde os votos de castidade e a dupla moral. A fera esfrega-se coa palavra discriminaçom, aclara a voz coa palavra vida e enfeita-se coa palavra direitos.

Disse-nos que o zigoto, embriom, feto, é um ser humano e que as mulheres que o temos assentado no nosso útero nom temos direito sobre el. Disse-nos que abortar é coma a pena de morte. Disse-nos que se se nos obrigasse a ver umha boa imagem do cigoto, embriom, feto, nunca decidiríamos abortar. Disse-nos que levemos o embaraço a termo, e lhes entreguemos, agora sim, o filho ou a filha já nascida, para as suas organizaçons e famílias afins. Disse-nos que se nos vai tutelar para que podamos sair da violência estrutural que nos obriga a abortar. Som o seu imaginário do terror, os seus argumentos.

Mas hai umha ideia que se repete na argumentaçom de muitas das pessoas que estam a dar a batalha polos nossos direitos nos meios de comunicaçom e redes sociais, e pode estar a funcionar como as pedras no próprio telhado. Repite-se como umha verdade indiscutível, como algo empírico, fora de discussom. Disse que o aborto é umha decisom difícil para as mulheres, umha tragédia à que nom hai que botar mais lume.

Lembro quando eu, para poder abortar, tomei a decisom de cruzar umha fronteira para outro país, alonjar-me mais de quinhentos quilómetros da minha casa, pôr-me em mans de gente desconhecida, que mesmo falava dum jeito para mim difícil de entender... Mas era umha decisom que me librava dumha grande tragédia, um embaraço nom desejado.

Ao longo da historia e agora mesmo em muitos lugares do mundo, as mulheres preferem arriscar às suas vidas, a sua saúde, ou mesmo a sua liberdade antes de levar a termo um embaraço nom desejado. Eis a verdadeira tragédia. O aborto é o alivio para essa tragédia. Assim o vivim eu e assim o vivirom muitas mulheres que eu conheço.

Se nom somos quem de impedi-lo, Gallardón e o integrismo católico, que o arroupa e inspira, aprovaram a nova lei, que vai ser umha escenificaçom do triunfo do seu modelo social. Mas as mulheres vam seguir abortando, como sempre. As mais afortunadas com profissionais de confiança perto da casa. Outras iram a outros países para faze-lo cum mínimo de seguridade. As mais desafortunadas, faram-no com claro risco para as suas vidas e a sua liberdade. E mesmo, volveram aos jornais as novas de fetos atopados nos contentores ou recém-nados abandonados mortos ou em vida. Eis o seu modelo social.

Agora, ás que abortamos, as que sabemos o beneficio do uso desse direito, toca-nos defende-lo. Hai que bota-los!

Nota.- Artigo publicado na revista Tempos Novos.

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Um comentário:

elena casal disse...
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